ABANCATILÊ

Blogue da Rede de Bibliotecas de São Brás de Alportel




Nascidos para Ler

"Em que dia nos transformámos em leitores para sempre? Cada um de nós lembrará a sua história. Recordará um colo, um abraço, um livro colocado na mão de alguém, uma estante, um professor, uma certa noite, um certo dia. Aquele momento e aquela hora em que se associou uma voz humana com a capacidade de multiplicar imagens infinitas dentro da cabeça, e de permeio estavam folhas escritas. Alguém que de súbito põe a mão na máquina que roda o filme das letras, e o cinema começa a correr por dentro da nossa vida. Alguém que depois nos coloca diante duma estante e nos diz – Aqui tens, tantos seres humanos quanto as lombadas, tantos filmes quantas as páginas. És um homem livre.
Em que dia, então, nos transformámos em leitores para sempre? Em que dia começámos a nascer para ler? Em que mês do ano aconteceu esse acaso da multiplicação dos Espaços dentro das nossas vidas? Ao mesmo tempo Ulisses e os cinco Compson?
Faço estas perguntas e estou a pensar numa ideia nova, talvez a única ideia revolucionária que desde as últimas décadas a Europa foi capaz de criar. Que se conheça, a única que tem como sujeito um homem novo. É a ideia maravilhosa de que todas as crianças do Mundo devem ser concebidas como seres nascidos para ler. O que equivale a dizer que a leitura deve ser elevada à categoria duma segunda natureza da pessoa. E que a sociedade deve promovê-la como um elemento tão importante quanto se lhe reconhece o direito a uma família ou um alimento. A ideia de que esse direito imprescindível deve ser promovido pelos Estados e por todos aqueles que sabem que a leitura amplia a vida, como um dever de contágio formidável. Esta, sim, é uma ideia de Futuro e aponta para um novo paradigma de instrução para a Liberdade, no momento em que se desenham no horizonte rumores de pensamentos únicos e amnésias planificadas. O que os novos planos de leitura, que hoje em dia se implantam um pouco por toda a parte, trazem de novo é isso mesmo - Servem para proporcionar a hipótese de que esses momentos inaugurais de encontro com um livro colocado entre os olhos da criança e o abraço, se multipliquem, uma e outra vez, se prolonguem, mudem de local e de suporte, mudem de figuras e de géneros, mas que estejam sempre lá. À espera do acaso. O que significa que proporcionar esse acaso se transformou num dever. E porque não dizê-lo? - Para muitos países, como o nosso, talvez esta seja uma oportunidade única para nos transformarmos da antiga nação que somos com relutância à leitura, numa sociedade aberta, moderna, civilizada pelos livros. "


Lídia Jorge, 2007
In: http://www.lidiajorge.com/

Dia 18 de Setembro às 17:00 h na Sala Polivalente

da Biblioteca Municipal de São Brás de Alportel

Lídia Jorge - Nota Biográfica

Lídia Jorge nasceu em Boliqueime, Algarve, em 1946. Licenciou-se em Filologia Românica pela Universidade de Lisboa, tendo sido professora do Ensino Secundário. Foi nessa condição que passou alguns anos decisivos em Angola e Moçambique, durante o último período da Guerra Colonial. A publicação do seu primeiro romance, O Dia dos Prodígios (1980) constituiu um acontecimento num período em que se inaugurava uma nova fase da Literatura Portuguesa. Seguiram-se os romances O Cais das Merendas (1982) e Notícia da Cidade Silvestre (1984), ambos distinguidos com o Prémio Literário Cidade de Lisboa. Mas foi com A Costa dos Murmúrios (1988), livro que reflecte a experiência colonial passada em África, que a autora confirmou o seu destacado lugar no panorama das Letras portuguesas. Entre outros romances, conta-se O Vale da Paixão (1998) galardoado com o Prémio Dom Dinis da Fundação da Casa de Mateus, o Prémio Bordallo de Literatura da Casa da Imprensa, o Prémio Máxima de Literatura, o Prémio de Ficção do P.E.N. Clube, e em 2000, o Prémio Jean Monet de Literatura Europeia, Escritor Europeu do Ano. Passados quatro anos, Lídia Jorge publicou O Vento Assobiando nas Gruas (2002), romance que mereceu o Grande Prémio da Associação Portuguesa de Escritores e o Prémio Correntes d’Escritas.A autora publicou ainda duas antologias de contos, Marido e Outros Contos (1997) e O Belo Adormecido (2003), para além das publicações separadas de A Instrumentalina (1992) e O Conto do Nadador (1992). A peça de teatro A Maçon foi levada à cena no Teatro Nacional Dona Maria II, em 1997. O romance A Costa dos Murmúrios foi recentemente adaptado ao Cinema por Margarida Cardoso. Os romances de Lídia Jorge encontram-se traduzidos em diversas línguas. Em 2006, a autora foi distinguida na Alemanha, com a primeira edição do Albatroz, Prémio Internacional de Literatura da Fundação Günter Grass, atribuído pelo conjunto da sua obra. Combateremos a Sombra, apresentado no dia 22 de Março, na Casa Fernando Pessoa, em Lisboa, é o seu mais recente romance, e o Grande Prémio SPA-Millennium a sua mais recente distinção.



In: www.lidiajorge.com



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