ABANCATILÊ

Blogue da Rede de Bibliotecas de São Brás de Alportel





Em Novembro, uma selecção de crónicas, contos e poemas de Carlos Drummond de Andrade, são a leitura do nosso Clube.



Carlos Drummond de Andrade, 1902-1987

A simplicidade é um ponto ético


No DN Artes de 31 de Outubro de 2002, o jornalista António Valdemar sublinhava o centenário de nascimento do poeta com estas palavras:

Drummond é sempre Drummond. Tem uma escrita própria, uma posição crítica e um humor desconcertante em face das questões fundamentais do mundo e da realidade brasileira. Património do universo lusófono, do espaço plural da língua portuguesa…
A sua vida e obra (1902-1987) acompanharam as metamorfoses do século XX. Permaneceu sempre no Brasil entre Minas Gerais e o Rio de Janeiro. Era, contudo, um cidadão do mundo: rejeitava o nacionalismo político, a ortodoxia religiosa, a organização militar, a moral conservadora. Defendia o pluralismo de opinião, apostava no progresso, insurgia-se perante a contemplação estática do passado, valorizava os desafios do futuro.


Publicou pela primeira vez em 1930 sob o título “Alguma poesia” e o seu último livro data de 1985 e foi editado com o título “Amar se aprende amando”.

Homem sóbrio e discreto, cultivava a arte da simplicidade como objectivo estético e ético. É célebre o seu comentário «entre dois adjectivos devemos escolher um substantivo».

"(...) Penetra surdamente no
reino das palavras
Lá estão os poemas que
esperam ser escritos.

Estão paralisados, mas não
há desespero,
há calma e frescura
na superfície intacta.
Ei-los sós e mudos, em
estado de dicionário (...)


Durante sete anos, de 1979 a 1986, a crónica que publicava no Jornal do Brasil, foi transcrita para o Jornal do Fundão onde era lida por um público fiel.

Fernando Cristóvão, publicou também no DN Cultura de 23 de Agosto de 1987, ano em que Drummond faleceu, um comentário em que considera a sua obra incomum, perturbadora e que dificilmente se enquadra e classifica.
A sua poesia é uma constante interrogação, em recusa permanente ao instituído pelo poder e academias, pois as respostas devem ser conquistas, não como jogo de retórica mas como o método de encarar e compreender a realidade. As palavras são agentes criadores e na luta com as palavras se chega às ideias e ao ser.

Em 30 de Outubro de 1970, Jorge de Sena no poema “A Drummond quando fizer setenta anos” lamentava o facto de nunca ter recebido um prémio literário significativo:

(…)
Os Castros de Ferreira mais Amados Jorges
partilham prémios do Lácio de Paris – a ti coisa nenhuma
(…)
O maior, todos concordam.
Mas em crónica
como em poesia tens cultura a mais, poesia a mais, humanidade a mais,
e dignidade a mais – a ti coisa nenhuma.


Resumo Biográfico

1902 – Carlos Drummond de Andrade nasce a 31 de Outubro, nono filho de um casal que descendia dos primeiros povoadores de Itabira, descendentes de portugueses, em Minas Gerais
1910 – Inicia os estudos primários.
1916/19 - Estuda em vários colégios.
1920 – Passa a residir com a família em Belo Horizonte.
1923 – Matricula-se na Escola de Odontologia e Farmácia
1924 – Inicia relações intelectuais com Manuel da Bandeira e correspondência com Mário de Andrade.
1925 - Conclui o Curso de Farmácia e casa-se.
1926 – Ensina Geografia e Português em Itabira e é jornalista no Diário de Minas
1934 – Vai para o Rio de Janeiro como chefe de gabinete do novo ministro da Educação e Saúde Pública
1945 – Colabora nos suplementos literários do Correio da Manhã e na Folha Carioca. A convite de Luís Carlos Prestes é co-director do Tribuna Popular, novo diário comunista.
Começa a trabalhar na Directoria do Património Histórico e Artístico Nacional.
1946 – Prémio do conjunto da obra da Sociedade Felipe D’Oliveira.
1949 – Participa na Associação Brasileira de Escritores, mas desliga-se devido a motivos políticos
1954 – Inicia no Correio da Manhã as crónicas “Imagens”, até 1969
1961 – Nomeado para a comissão de Literatura do Conselho Nacional de Cultura.
1962 – Aposenta-se da DPHAN.
1964 – Começa as visitas, aos sábados, à Biblioteca Plínio Doyle, de que resultam os encontros definidos por Drummond de “ Sabadoyle”.
1974 – Prémio de Poesia da Associação Paulista de Críticos Literários.
1975 – Prémio Nacional Walmap de Literatura. Recusa o Prémio Brasília de Literatura.
1979 – O Jornal do Fundão começa a publicar a sua crónica semanal do Jornal do Brasil.
1980 – Prémios Estácio de Sá, de Jornalismo e Prémio Morgado Mateus (Portugal), de poesia.
1982 – Faz 80 anos. Exposições comemorativas na Biblioteca Nacional e na Casa Rui Barbosa.
1984 – Encerra a carreira de cronista após 64 anos de jornalismo.
1987 – A 5 de Agosto morre a sua única filha e a 17 falece o poeta.

Camões

Dos heróis que cantaste, que restou
senão a melodia do teu canto?
As armas em ferrugem se desfazem,
os barões nos jazigos dizem nada.
É teu verso, teu rude e teu suave,
balanço de consoantes e vogais,
teu ritmo de oceano sofreado
que os lembra ainda e sempre lembrará.
Tu és a história que narraste, não o simples narrador. Ela persiste
mais em teu poema que no tempo neutro,
universal sepulcro da memória.
Bardo, foste os deuses mais as ninfas,
as ondas em fúria, céus em delírio,
astúcias, pragas, guerras e cobiças,
lodoso material fundido em ouro.
Multissexual germinador de assombros,
na folha branca vieste demonstrando
o que ao homem, na luta contra o fado,
cabe tentar, cabe vencer, perder,
e nisto se resume a irresumível humana condição
no eterno jogo sem sentido maior que o de jogar.
E quando de altos feitos te entedias
e voltas ao comum sofrer pedestre
do desamado, não te vejo a ti perdido
de saudades de desdéns. Luís, homem estranho,
que pelo verbo és, mais que amador o próprio amor
latejante, esquecido, revoltado, submisso,
renascente, reflorindo em cem mil corações
multiplicado. És a linguagem. Dor particular
deixa de existir para fazer-se dor de todos
os homens, musical na voz de órfico acento, peregrina.
Que pássaro lascivo se intercala no queixume
sutil da tua estrofe e não se sabe mais se é dor, delícia,
e espinho, afago, e morte, renascença?
Volúpia de gemer, e do gemido
destilar a canção consoladora
a quantos de consolo careciam
e jamais a fariam por si mesmos?
(Amaldiçoado dia de nascer
Que em bênçãos para nós se converteu!)
Já tenho uma palavra pré-escrita
Que tudo exprime quanto em mim se turva.
Pelos antigos e pelos vindouros,
Foste discurso de geral amor,
Camões oh som de vida ressoando
em cada tua sílaba fremente
de amor e guerra e sonho entrelaçados.”
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Leituras de 2008

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