ABANCATILÊ

Blogue da Rede de Bibliotecas de São Brás de Alportel


Sinopse
Um pequeno castelo de caça na Hungria, onde outrora se celebravam elegantes saraus e cujos salões decorados ao estilo francês se enchiam da música de Chopin, mudou radicalmente de aspecto. O esplendor de então já não existe, tudo anuncia o final de uma época. Dois homens, amigos inseparáveis na juventude, sentam-se a jantar depois de quarenta anos sem se verem. Um, passou muito tempo no Extremo Oriente, o outro, ao contrário, permaneceu na sua propriedade. Mas ambos viveram à espera deste momento, pois entre eles interpõe-se um segredo de uma força singular...

Comentários
“A acção decorre no coração do Império Austro-Húngaro, em plena viragem do século XIX para o século XX, numa altura em que a situação geopolítica da Europa Central atinge o ponto de ebulição que fará deflagrar a I Guerra Mundial.
Este período convulsivo termina com a desagregação do Império e o desaparecimento das convenções e regras que o regiam.
O romance é construído a duas velocidades e o ritmo é marcado por dois narradores.
O narrador não participante apresenta os episódios presentes – já depois da segunda grande guerra – algures na actual Eslováquia – descreve o cenário onde se movimentam as principais personagens, como se assistíssemos a um filme mudo, entrecortado por algumas cenas de diálogo, constituídas por frases lacónicas, contudo carregadas de subentendidos.
O segundo narrador é, também, a personagem principal e o discurso, simultaneamente introspectivo e retrospectivo, está intensamente povoado de detalhes, quer no que se refere aos espaços exteriores e interiores, quer às emoções que o ambiente despoleta não só no seu íntimo mas também nas atitudes das restantes personagens.O principal objectivo deste segundo narrador é descodificar os motivos que levaram a determinados comportamentos, aparentemente inexplicáveis, por parte daqueles que lhes eram mais próximos
A forma como Konrád – o amigo –, Krizstina – a esposa –, a mãe do general – e o protagonista – encontravam na música o refúgio ideal para as suas paixões, para a sua rebeldia, é o signo da fatalidade que marca o ritmo do romance. Porque a música era o lugar secreto que lhes permitia serem aquilo que lhes era interdito pela sociedade.
Uma quarta personagem principal é Nini, a ama do general. Esta é o oposto dos dois outros grandes rebeldes – Konrád e Krizstina. Nini é alguém que se enquadra perfeitamente naquele mundo em vias de extinção que é o Império Austro-Húngaro. É a alma gémea do general no que respeita à forma de exprimir os afectos. E mais: Nini é a alma do palácio, a guardiã do lar, aquela que mantém aceso o fogo de Vesta, sem o qual as salas do palácio ficam como que transformadas em túmulos.
A evolução da trama remete-nos para Freud e para a teoria do recalcamento; a caracterização das personagens para o modelo dos arquétipos de Jung; o tema da rebelião e da traição colocam-nos perante uma intertextualidade com o Génesis da Bíblia na pessoa de Konrad / Lúcifer e Kizstina / Eva As velas ardem até ao fim para além de ser um verdadeiro tratado de psicanálise é, também, uma importante obra de reflexão sociológica. Ao tratar a situação na Europa da primeira metade do século XX, o papel do colonialismo na transformação das mentalidades – através das trocas culturais – e, principalmente, a dissertação antropológica acerca das causas residuais que estão na génese da situação no Médio Oriente, transformam-no numa obra de uma actualidade, pela acuidade das suas análises e poder visionário.Um livro fora de série de um autor que nos chega do leste europeu e cuja obra só foi devidamente reconhecida após a queda do regime comunista. Ironicamente, Sándor Márai suicidou-se poucos meses antes da queda do Muro de Berlim.”


Adaptação do texto de Cláudia de Sousa Dias
in http:\\ hasempreumlivro.blogspot.com

Um outro aspecto central da narrativa, menos tocante mas não menos interessante, encontra-se no paralelo que é traçado entre a decadência do Império Austro-Húngaro e o percurso trágico das três personagens, que representam metonimicamente aquela nação. A pátria prestes a desabar assiste à perda de influência da nobreza e do exército, ao carácter obsoleto dos valores da nobreza (hierarquia, honra, patriotismo, etc.), num mundo em mudança (início do séc. XX), à emancipação da mulher – questões subterrâneas mas marcantes na relação das três personagens. Sendo homens do seu tempo, Henrik e Konrad não conseguem sobreviver ao colapso desse mundo. Por isso, quando se reencontram, em 1941, são já dois anacronismos, dois simulacros (para usar o termo de Baudrillard) num mundo que está numa nova transição – note-se que a Grande Guerra que então se trava nunca irrompe na conversa dos dois antigos soldados. Para além de estarem interiormente mortos também o estão ontologicamente, porque a realidade em que vivem deixou há muito de ser a sua.

In: http://pt.shvoong.com/books/

Ver Também:
Biografia de Sándor Márai

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